Coproduto ou Subproduto? O Erro que Está Custando Milhões ao Agronegócio
- Adauto Pereira Gomes Neto
- 20 de out.
- 5 min de leitura
Uma Confusão que Custa Caro

Imagine isso: você gerencia uma usina de processamento de soja no Brasil e, ao calcular o impacto ambiental do seu óleo, acaba alocando custos desnecessários ao farelo. Ou pior, trata vísceras de abate como "resíduos" e perde uma oportunidade de transformá-las em ração de alto valor. No agronegócio, a confusão entre "coproduto" e "subproduto" não é só uma questão de palavras — é um erro que distorce análises financeiras, relatórios ESG e decisões estratégicas. Empresas que erram aqui superestimam custos, subestimam eficiência ambiental e desperdiçam chances na bioeconomia circular.
Neste post, vamos desmistificar esses conceitos com base em normas internacionais como a ISO 14044:2006, exemplos práticos do setor agro e recomendações para aplicar isso no dia a dia. Ao final, você vai entender por que essa precisão é essencial para inovar, gerir riscos e se destacar em um mercado cada vez mais sustentável.
O Dicionário da Bioeconomia: Definindo os Termos do Jogo
Na bioeconomia circular, as definições ditam tudo: desde a hierarquia de uso dos materiais até a alocação de impactos. Vamos começar pelo básico, ancorados na ISO 14044, que é o padrão global para Análise de Ciclo de Vida (LCA).
Coproduto: O Parceiro Planejado
De acordo com a ISO 14044 (seção 3.10), um coproduto (co-product) é qualquer um de dois ou mais produtos gerados no mesmo processo unitário ou sistema de produto. Aqui, a produção é intencional para todos os itens, e eles têm relevância econômica comparável. Não há um "principal" absoluto — todos compartilham o spotlight.
Exemplos no agronegócio: O farelo de soja (SBM) do processamento da soja para óleo. No Brasil, maior produtor mundial, o farelo não é um "acidente"; ele é planejado e representa até 80% da massa, usado em rações animais. Outro caso: óleo e farelo de girassol, ou trigo que gera grãos e farelo (wheat middlings).
Chave: Valor econômico alto e planejamento conjunto. Eles seguem a "cascata de biomassa", priorizando usos como alimento humano ou animal.
Subproduto: O Aliado Inesperado
Embora a ISO use "coproduto" de forma ampla, na prática de LCA e bioeconomia (como nas diretrizes da FAO e da União Europeia), distinguimos subproduto (by-product) como um material gerado inevitavelmente, mas não como foco principal do processo. Ele tem valor econômico, mas sua produção depende da demanda pelo produto primário. Se não for valorizado, vira resíduo.
Exemplos: Vísceras, ossos e penas da pecuária (produtos da reciclagem animal). O abate de bovinos ou suínos visa a carne; os subprodutos surgem como consequência e podem virar farinhas proteicas para ração ou fertilizantes. No Brasil, o farelo de algodão (de sementes processadas para óleo) é um subproduto clássico, rico em proteína mas secundário.
Diferença chave com resíduo: Resíduo é material sem valor econômico, destinado ao descarte (ex: cascas inutilizadas). Subproduto tem potencial — pense nele como um "hóspede" que vira parceiro. Um termo técnico para isso é Subproduto de Baixo Custo de Oportunidade (ou Low Opportunity Cost By-product, LCB). Este é um ingrediente selecionado para uma fórmula (como ração) principalmente por ser a opção mais barata disponível para fornecer um nutriente, já que não possui outros usos concorrentes de alto valor (seu custo de oportunidade é baixo ou até negativo, como o custo de descarte).
Resíduo: O Que Sobrou Sem Valor
Resíduo (waste) é qualquer material sem valor econômico imediato, que sai do sistema como está. Na hierarquia de resíduos (da EU Circular Economy), priorize prevenção, recuperação e reciclagem antes do descarte. No agronegócio, evite transformar subprodutos em resíduos — isso é perda financeira e ambiental.
Resumo Rápido:
Coproduto: Planejado, valor alto, compartilha custos (ex: óleo + farelo de soja).
Subproduto: Secundário, valor variável, custo zero inicial (ex: ossos de abate).
Resíduo: Sem valor, descarte (ex: perdas alimentares não recuperadas).
A Hierarquia de Valor: Como Tratar Esses Materiais na Prática
Na bioeconomia circular, siga a pirâmide de valor (ou cascata de biomassa) para maximizar sinergias e minimizar conflitos:
Prevenção: Evite gerar resíduos (ex: otimizar colheitas para reduzir perdas).
Recuperação para Alimento Humano: Use biomassa como comida comestível (ex: recuperar farelos para produtos alimentícios).
Reciclagem para Ração Animal: Priorize subprodutos em rações (ex: farelo de soja para suínos, reduzindo custos).
Aplicações Industriais: Química, biodiesel ou fertilizantes (ex: soro lácteo para bioquímicos).
Disposição Final: Combustão ou aterro só como último recurso.
Dicas Práticas:
Qualidade: Coprodutos e subprodutos variam em composição (ex: umidade alta exige secagem para evitar rancidez).
Riscos: Faça análises de segurança (ex: contaminantes em farelo de algodão).
Disponibilidade: No Brasil, sazonalidade exige reformulações de dietas.
Custo-benefício: Subprodutos como soro lácteo barateiam rações em até 20-30%.
A Lógica da Alocação: Custos e Impactos Ambientais
Processos multifuncionais (ex: esmagamento de girassol gerando óleo, farelo e cascas) exigem alocação de impactos (emissões de GEE, uso de água). A ISO prefere expansão de sistema, mas alocação é comum em LCA Atribucional.
Para Coprodutos: Dividindo a Conta
Alocação Econômica (EA): Baseada em valor de mercado (ex: óleo de girassol carrega mais impacto que farelo).
Alocação por Massa: Por peso (ex: 60% farelo = 60% impactos).
Implicação: Coprodutos herdam custos upstream, afetando margens.
Para Subprodutos: Corte e Benefício Evitado
Método Cut-off: Zero impactos do processo primário (ex: ossos não herdam emissões da fazenda).
Benefício Evitado: Crédito por substituir virgens (ex: farinha de ossos evita cultivo de soja, reduzindo LUC — Mudança do Uso da Terra).
Implicação: Torna subprodutos atrativos para ESG, com custos baixos e créditos de carbono.
Abordagem em Duas Etapas (Recomendada)
Defina circularidade (grau de reutilização).
Aplique EA, ajustando por desperdício. No Brasil, isso alinha com políticas como o Plano ABC+ para baixa carbono.
Erros Comuns a Evitar:
Comparar pegada de SBM (coproduto, com LUC) vs. PAP (subproduto, sem LUC) sem ajuste.
Assumir que demanda por subprodutos impulsiona produção primária (ex: mais farinha de ossos não aumenta abates).
Guia Prático: Como Inputar em Modelos
Tipo de Produto | Como Inputar Custos e Impactos |
Coproduto | 1. Aloque parcela dos custos upstream (ex: cultivo). 2. Escolha critério (econômico ou massa). 3. Considere sinergias na cascata de biomassa. |
Subproduto | 1. Atribua só custos downstream (ex: reciclagem animal). 2. Credite benefícios evitados (ex: substituição de insumos, descarte evitado). 3. Gere créditos ESG (ex: redução de GEE). |
Resíduo | 1. Foque em prevenção. 2. Calcule custos de descarte. 3. Busque conversão em subproduto. |
Mais que Semântica, uma Estratégia de Futuro
Distinguir coproduto de subproduto é o alicerce para uma bioeconomia circular resiliente. No Brasil, com nossa liderança em soja e pecuária, isso significa bilhões em eficiência: menos resíduos, mais valor e relatórios ESG impecáveis. Empresas que acertam aqui inovam, reduzem riscos e lideram a transição para baixo carbono.
E você? Já revisou suas definições nos processos da sua operação? Compartilhe nos comentários ou entre em contato para discutir casos específicos.
FAQ Rápida
P: Qual a diferença mais simples entre coproduto e subproduto?
R: Pense assim: um coproduto (ex: farelo de soja) é um "parceiro planejado", e sua produção é tão intencional quanto a do produto principal (óleo). Um subproduto (ex: ossos do abate) é um "aliado inesperado", uma consequência inevitável que ganha valor, mas cuja oferta depende da demanda do produto principal (carne).
P: Então, uma Proteína Animal Processada (PAP) da reciclagem animal é sempre um subproduto?
R: Sim. Na metodologia de Análise de Ciclo de Vida (ACV), ela é tratada como subproduto. Isso significa que ela não "herda" os custos ou impactos ambientais da criação do animal (método cut-off). Sua pegada de carbono começa a ser contada apenas a partir da planta de reciclagem animal, o que a torna uma opção de baixíssimo impacto.
P: Como essa definição afeta meu relatório ESG?
R: Diretamente. Ao usar um subproduto (como uma PAP) em vez de um coproduto (como farelo de soja), você está substituindo um ingrediente que carrega uma alta "mochila" de impactos (do cultivo, incluindo Mudança do Uso da Terra - LUC) por um ingrediente de "mochila zero". Isso reduz drasticamente a pegada de carbono final do seu produto e gera "benefícios evitados", que são muito valorizados em relatórios ESG.




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